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Uma noite de sexo mudou o Ocidente
O mundo liberal é muito mais
frágil do que pensávamos
Bill Clinton estava ansioso no salão oval da Casa Branca. O que o
excitava era justamente o absurdo da situação. O homem mais poderoso do
mundo esperava a chegada de Monica Lewinsky com seus lábios
deslumbrados. Monica saiu do edifício Watergate (!) onde vivia com a mãe
republicana e passou pela vigilância do palácio com seu cartão de
estagiária. Na penumbra do gabinete, Bill, sentado em sua mesa de
despachos, viu a porta se abrir e, numa fresta de luz, Monica surgiu
ofegante da aventura e do perigo. Clinton sentia um intenso prazer em
pensar: “Se me vissem aqui...”. Ela se arrojou no carpete com as armas
da República e, no silêncio da noite, iniciou suas caricias no
presidente amado. Bill estava tenso, pois não conseguia parar de pensar
em Sharon e Arafat, o que lhe cortava a onda para aproveitar o “relax”
que a moça lhe proporcionava. Para esquecer o Oriente Médio, ele se
imaginava como um grande globo poderoso, inflando à medida que Monica se
esmerava a seus pés. Ela amava o senhor do mundo e sonhava com o que
diria para as amigas, especialmente Linda Tripp, sua confidente. Quando
o orgasmo se anunciou, vindo de longe, talvez dos bosques da
Pensilvânia, ele se excitou mais ainda pensando que a moça era
republicana e que aquilo o vingava contra a gang da direita cristã.
Finalmente, Clinton se entregou com um grande gemido de prazer, pairando
como a Águia Americana sobre os olhos súplices da gorduchinha devota. E,
nesse momento, o mundo mudou. Não estou exagerando. Eu estava na América
e vi. Quem ajudou nessa “revolução” da direita foi também uma mocréia
rancorosa chamada Linda Tripp que aconselhou Monica a guardar a mancha
indiscreta que lhe molhou o vestido naquela noite. Meses depois, Clinton
foi desmascarado por um espermatozóide delator. O resto é História. Esse
boquete mudou o Ocidente. Dirão alguns: “Devagar com o andor...”. Não. O
aterrorizante é que não é exagero. A direita se ergueu contra o sexo.
Kenneth Starr, o promotor viado-enrustido, lançou a mais implacável
campanha já vista contra o Bill e a nação só falou de sexo oral o ano
todo. Era constrangedor ver a loucura do puritanismo careta. O país da
liberdade sexual dos anos 60, dos direitos civis virou um antro
moralista discutindo detalhes genitais. Foi feio de ver o Clinton jurar
em “close” na TV que jamais comera a moça e, dias depois, o
espermatozóide guardado por Linda Tripp vir a público para destruí-lo.
Quase “impicharam” o homem e, como a besta careta do Al Gore ficou como
medo de defender Clinton na campanha, pois sua mulher e a América podiam
considerá-lo conivente com a sacanagem, Bush foi eleito, com a fraude do
irmãozinho na Flórida.
O que apavora é quase expulsaram Clinton por sexo e, hoje, ninguém falou
em “impeachment” para um canalha que destruiu o nome da América, dividiu
o Ocidente e criou possibilidades reais de guerra nuclear para os
fanáticos. Ninguém pensou em expulsar esse rato. É espantoso como um só
imbecil pode mudar o mundo sem que ninguém possa fazer nada.
Isso é até “didático” para o Ocidente. Achávamos que o nosso mundo
estava invulnerável a loucuras individuais tipo Hitler. Acreditávamos
que uma “impessoalidade” moderna da democracia impediria excessos
pirados. Nada disso. A neurose, a repressão sexual e a milenar estupidez
humana são mais fortes que qualquer iluminismo. Osama deve ter ficado
surpreso e grato diante da ajuda que Bush lhe deu. Toda a estrutura das
conquistas democráticas da Europa, depois do sofrimento de duas guerras,
de 30 anos de Guerra Fria, está irremediavelmente abalada. Estamos
humilhados. Somos muito mais frágeis do que supúnhamos. A barbárie é
mais sólida e obstinada que a civilização. A razão é um luxo de elites.
Vejam os bilhões de imbecis com o rabo para cima rezando todo dia para
um ser que não existe, pois Alá não existe – eu tenho o direito
democrático de ser ateu. E do outro lado, milhões de energúmenos
comedores de hambúrguer acreditam ainda no louco do Bush, podendo até
reelegê-lo em nome de um Jesus guerreiro de direita. É de enlouquecer
até o Habermas. A religião não é o ópio do povo; é a bomba do povo.
Vemos hoje que a civilização é um enfeite de bolo. É muito mais fácil
ser um boçal, um fanático que ignora a existência desta coisa
requintadíssima chamada “outro”. Somos todos máquinas de desejar a
própria paranóia, somos seres atrasados e egoístas, coisas, aliás, que
não apenas as teocracias do Oriente estimulam, pois a nossa democracia
de massas faz o mesmo. É muito mais fácil aceitar o fascismo e o
fundamentalismo do que o comedimento, a dosagem do próprio desejo, a
tolerância diante do irmão com direitos iguais. Somos animais escrotos e
mal contidos por essa casquinha de democracia e bons modos aprendidos no
século XX.
E, hoje, estamos diante de um perigo duplo: no Oriente, temos a Idade
Média do século VII, armada com a internet e armas nucleares e, no
Ocidente liberal, o perigo de surgirem populismos militaristas de
defesas autoritárias para acabar com a democracia.
A estupidez está no poder, aqui e lá. A paranóia narcísea mata para
esquecer que vai morrer.
O paranóico prefere matar o outro, culpado de tudo, a olhar para dentro
de si, porque sabe que, lá no fundo, está a doença sexual e o mistério
da própria loucura.
Não foi Osama quem feriu o ocidente. Foi Bush. O gravíssimo fato não é a
presença de Bush no poder, apenas. É que, mesmo quando ele se for, é que
ele deixou o mundo estragado para sempre, é que ele despertou a barbárie
que ele tinha dentro de si, de sua gang de fascistas e dos árabes
doentes. Bush criou uma guerra santa no Oriente todo e sujou todas as
conquistas civilizadas que tínhamos conseguido. E essa guerra não vai
acabar nunca, seja eleito o Kerry ou qualquer outro. Quando Hitler foi
vencido, acabou um inimigo. Agora, nasceu um inimigo parido por Bush que
jamais será extinto. Desculpem o bode, mas é isso aí.
Arnaldo Jabor
Publicação:
www.paralerepensar.com.br
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