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- O mundo de hoje é travesti
Está rolando na internet um texto ridículo sobre "mulheres"
atribuído a mim.
Sou uma besta, todos o sabem; mas, não chego a esse relincho
lamentável do asno que o escreveu. Diz coisas como: "A mulher tem um
cheirinho gostoso, elas sempre encontram um lugarzinho em nosso ombro."
Uma bosta, atribuída a mim. Toda hora um idiota me copia e joga na rede.
Por isso, vou falar um pouco de mulher, eu que mal as entendo na vida.
Não falarei das coxas e seios e bumbuns... Falo de uma aura mais fluida
que as percorre.
Gosto do olhar de onça, parado, quando queremos seduzi-las, mesmo
sinceramente, pois elas sabem que a sinceridade é volúvel, não perdura.
Um sorriso de descrédito lhes baila na boca quando lhe fazemos
galanteios, mas acreditam assim mesmo, porque elas querem ser amadas,
muito mais que desejadas. Elas estão sempre fora da vida social, mesmo
quando estão dentro.
Podem ser as maiores executivas, mas seu corpo lateja sob o tailleur
e lá dentro os órgãos estranham a estatística e o negócio. Elas querem
ser vestidas pelo amor. O amor para elas é um lugar onde se sentem
seguras, protegidas.
O termômetro das mulheres é: "Estou sendo amada ou não? Esse bocejo,
seu rosto entediado... será que ele me ama ainda?" A mulher não acredita
em nosso amor. Quando tem certeza dele, pára de nos amar. A mulher
precisa do homem impalpável, impossível. As mulheres têm uma queda pelo
canalha. O canalha é mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o canalha,
mas isso a justifica e engrandece, pois ela tem uma missão amorosa: quer
que o homem a entenda, mas isso está fora de nosso alcance. A mulher
pensa por metáforas.
O homem por metonímias. Entenderam? Claro que não. Digo melhor, a
mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico sem
fim, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim. Não estou falando
da mulher sociológica, nem contemporânea, nem política. Falo de um
sétimo órgão que todas têm, de um "ponto g" da alma.
Mulher não tem critério; pode amar a vida toda um vagabundo que não
merece ou deixar de amar instantaneamente um sujeito devoto. Nada mais
terrível que a mulher que cessa de te amar. Você vira um corpo sem
órgãos, você vira também uma mulher abandonada.
Toda mulher é "Bovary"... e para serem amadas, instilam medo no
coração do homem. Carinhosas, mas com perigo no ar. A carinhosa total
entedia os machos... ficam claustrofóbicos. O homem só ama profundamente
no ciúme. Só o corno conhece o verdadeiro amor. Mas, curioso, a mulher
nunca é corna, mesmo abandonada, humilhada, não é corna. O homem
corneado, carente, é feio de ver. A mulher enganada ganha ares de
heroína, quase uma santidade. É uma fúria de Deus, é uma vingadora, é
até suicida. Mas nunca corna. O homem corno é um palhaço. Ninguém tem
pena do corno. O ridículo do corno é que ele achava que a possuía. A
mulher sabe que não tem nada, ela sabe que é um processo de manutenção
permanente. O homem só vira homem quando é corneado.
A mulher não vira nada nunca. Nem nunca é corneada... pois está
sempre se sentindo assim. Como no homossexualismo: a lésbica não é viado.
A mulher é poesia. O homem é prosa. Isso não quer dizer que a mulher
seja do bem e o homem do mal. Não. Muita vez, seus abismos são
venenosos, seu mistério nos mata. A mulher quer ser possuída, mas não só
no sexo, tipo "me come todinha". Falam isso no motel, para nos animar. O
homem é pornográfico; a mulher é amorosa. A pornografia é só para
homens. A mulher quer ser possuída em sua abstração, em sua geografia
mutante, a mulher quer ser descoberta pelo homem para ela se conhecer.
Ela é uma paisagem que quer ser decifrada pelas mãos e bocas dos
exploradores. Ela não sabe quem é. Mas elas também não querem ser
opacas, obscuras. Querem descobrir a beleza que cabe a nós revelar-lhes.
As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe.
O masculino é certo; o feminino é insolúvel. O homem é espiritual e
a mulher é corporal. A mulher é metafísica; homem é engenharia. A mulher
deseja o impossível; desejar o impossível é sua grande beleza. Ela vive
buscando atingir a plenitude e essa luta contra o vazio justifica sua
missão de entrega. Mesmo que essa "plenitude" seja um "living" bem
decorado ou o perfeito funcionamento do lar. O amor exige coragem. E o
homem... é mais covarde. O homem, quando conquista, acha que não tem
mais de se esforçar e aí , dança...
A mulher é muito mais exilada das certezas da vida que o homem. Ela
é mais profunda que nós. Ela vive mais desamparada e, no entanto, mais
segura. A vida e a morte saem de seu ventre. Ela faz parte do grande
mistério que nós vemos de fora, com o pauzinho inerme. Ela tem algo de
essencial, tem algo a ver com as galáxias. Nós somos um apêndice.
Hoje em dia, as mulheres foram expulsas de seus ninhos de
procriação, de sua sexualidade passiva, expectante e jogadas na
obrigação do sexo ativo e masculino. A supergostosa é homem. É um
travesti ao contrário. Alguns dizem que os homens erigiram seus poderes
e instituições apenas para contrariar os poderes originais bem
superiores da mulher.
As mulheres sofrem mais com o mal do mundo. Carregam o fardo da dor
histórica e social, por serem mais sensíveis e mais fracas. Os homens,
por serem fálicos, escamoteiam a depressão e a consciência da morte com
obsessões bélicas, financeiras ou políticas. As mulheres agüentam firmes
a dor incompreendida. O mundo está tão indeterminado que está ficando
feminino, como uma mulher perdida: nunca está onde pensa estar. O mundo
determinista se fracionou globalmente, como a mulher. Mas não é o mundo
delicado, romântico e fértil da mulher; é um mundo feminino comandado
por homens boçais. Talvez seja melhor dizer um mundo travesti. O mundo
hoje é travesti.
Arnaldo Jabor
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